segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Positivo

11/12/2022

Lembro que perguntei a ela se iria fazer o teste. Ela estava na farmácia prestes a vir para casa almoçar. Era domingo então trabalharia somente até o meio dia. Então ela veio embora. Eu tinha acabado de aprontar o almoço e ela correu para o banheiro. Disse que teria o resultado em 15 minutos. Fiquei no computador aguardando e depois de 30 minutos ela veio com o teste. Vi um risco mais forte e um bem mais fraco. Falei que não acreditava e ela somente sorriu. No dia seguinte ela saiu de manhã para o teste sanguíneo que somente confirmou a nossa paternidade. Senti um frio na barriga.

A gente tinha acabado de se mudar para um apartamento no centro. Estávamos organizando as finanças e comprando móveis para casa. Querendo ou não é uma grande notícia para um casal que está junto há dois anos. Mas fiquei meio abatido pela surpresa, afinal é um filho e ele mudaria tudo de agora em diante. Não estávamos esperando e nem fazendo tentativas, até porque a Arianna fazia uso regular de anticoncepcional. 

Segundo o exame sanguíneo ela estava de seis semanas. Foi um espanto, pois como mencionei ela fazia uso regular de anticoncepcional, mas no dia primeiro de Dezembro o ciclo não se completou. esperamos uma semana para o dia do exame e, desde então a notícia chegou bem aos nossos pais e amigos mais próximos, primeiramente. Postei essa foto no stories  do instagran e algumas pessoas nos enviaram congratulações. Decidimos o nome caso menina Aurora ou menino Ezequiel. VOU SER PAI. 

sábado, 11 de abril de 2020

Capítulo 3: A Metáfora da Borboleta


Eu fui criado na música. E meus pais sempre foram os meus super-heróis em tudo. Tinha muito orgulho deles. Eles eram o ideal que eu gostaria de alcançar e sempre que eles me viram tocar eu senti que era o que mais amavam fazer. Lembro de infinitas noites frias nesta sala de estar, mamãe e papai sentados no mesmo sofá onde você sentou meia hora atrás, chocolate quente, lareira acesa e eu, sentado ao mesmo piano da sala, tocando Frédéric Chopin, Beethoven, Johan Sebastian... Eu sempre amei os clássicos, como meu pai. 

Sempre fui uma criança de poucas amizades e posso até estar sendo modesto, anti social cabia melhor. Lembrando agora posso te dizer que também fui muito mimado, perfeccionista, ou sei lá o que. Tudo tinha que estar do jeito que eu queria e, se não estivesse, eu rasgava a palta e começava do zero. Isso interferia muito na minha relação com minha mãe. Ela sempre dizia que eu era exatamente como meu pai. Teimoso como tal. Minha mãe era delicada, amorosa e muito bonita. Cresceu nas montanhas e na natureza e sempre foi sonhadora. Tinha o temperamento de uma borboleta. Era o que dizia meu pai. E sempre fez muito sentido porque as borboletas, como minha mãe são frágeis, e houve uma época no qual meu pai quase a deixou voar por não cuidar muito do seu jardim. Eu, me sentia como uma flor, que recebia as visitas dessa tal borboleta. E quando frustrado, ela sempre me dizia que uma hora eu também seria uma borboleta forte fora do meu casulo, voando com minhas próprias asas ao sabor do vento e que tinha que fazer isto sozinho. Não se interfere no nascimento de uma borboleta, isso pode matá-la, ou deixar sequelas como até mesmo a perda da capacidade de voar. Isso sempre martelou na minha mente. Meus pais não mediam esforço para que isso acontecesse. Sempre estudei nas melhores escolas desde o maternal. Juntaram um bom dinheiro numa conta para quando eu entrasse na faculdade, de música, como quis meu pai. E quando enfim terminou o tempo na carreira de minha mãe para cuidar de mim ela voltou aos palcos, mais maravilhosa do que nunca. Claro, eu era criança... Mas quando me vi por gente me encantei com minha própria mãe. 

-- Não acredito que ainda está aqui me ouvindo.
-- É claro que estou! Em qual lugar melhor eu estaria? -- disse Aurora, trombando brincalhona seu ombro no meu. -- E você ainda não disse o que sua história tem haver comigo.
-- Mais chá?
-- Se não se importa, estou com um pouco de fome.
Olhei o relógio e minha nossa! São quase Cinco da tarde. Quase não acreditei que se passaram duas horas desde que começamos a falar
-- Não acredito que já se passaram quase duas horas desde que começamos a conversar.
-- Espero não estar te entediando com todo essa história.
-- Acredite, está sendo a melhor história. Você é bom nisso, devia seguir na profissão, estou presa em você.
Olhei para o lado e ela me olhava com curiosidade. Havia nela um ar dependente, como de uma vítima vulnerável, uma presa que se entrega e aguarda ser atacada alí mesmo na grama do meu jardim. Uma borboleta que pousou na mão de um menino curioso que trás na outra mão um pote de vidro e está louco para captura-la. Retorno do devaneio. 
-- Bom, posso te oferecer um jantar?
-- Sério? Então além de artista pop você também é cozinheiro? 
-- tenho dotes que você nem imagina.
O menino agora vê a borboleta levantar vôo e deixa o pote de vidro cair da mão maravilhado com o bixo bailando na sua frente. Entramos para preparar o jantar.
-- Espero que goste de Salmão.
-- E por qual motivo eu não gostaria?
-- Bom, eu não sei, mas se fosse o caso eu estaria frito. Pois é a única comida que eu não queimo.

Eu costumo jantar tarde, agora que moro sozinho isso tem se infatizado mais ainda. Eu estava na bancada terminando de preparar o salmão para levar ao forno. Tinha batatas cozinhando em uma panela e verduras em outra. Aurora tinha ido para mais um tuor pela casa, quando sem mais nem menos ouço música vindo da sala e ela reaparece na cozinha com uma taça de vinho branco mas mãos, atravessa o cômodo e se recosta na pia de frente pra mim. Estava frio. Mas ela ficava realmente lindas qualquer jeito.
-- Dá pra imaginar o quanto sua mãe era maravilhosa.
-- Gostou? Ela compôs essa música sozinha. 
-- É uma das minhas preferidas. Delicado, acústico, o modo como as palavras sutis me levam ao pensamento de identificação. Dramática no ponto certo.
-- Meu pai e eu tinhamos chegado à noite de um passeio com a Laika e ela estava na escrivaninha. O violino em cima do piano e até a bateria do meu pai havia sido vítima dela acredita? Parecia inquieta e animada. Quando ela começava a gente já sabia, não iria ter jantar. -- Rimos -- depois ela entregou uma série de patas para meu pai e ele produziu aqui mesmo.
-- Nossa, estou no berço das obras de arte da família Haugen. Falando em jantar, qual o prato de hoje chefe?
-- Salmão no forno com creme seterrome, molho hollandeise, aspargos com cebola tomate cereja azeite sal e pimenta colorida e pra finalizar batata cozida.
Aurora respondeu cada ingrediente que eu ditei com um "huumm" animado.
-- Prato de um típico norueguês do norte.

Estávamos sentados na mesa de jantar da cozinha, o lugar preferido da minha mãe na casa. Era para seis lugares, Aurora sentava na ponta e eu do seu lado. Apenas dois pratos e decoração. Já havíamos esvaziado uma garrafa de vinho e estávamos na segunda.
-- Eu nunca soube lidar com perdas. Minha mãe sim. Ela era a pedra forte da família. No dia em que nossa cachorra faleceu eu fiquei na cama por três dias. Eu tinha visto ela crescer e ela a mim. Tinhamos mais ou menos a mesma idade quando aconteceu. "Neoplasia, provinda de uma infeção viral" disse minha mãe quando chegou do veterinário. Era tarde demais para evitar a metástase e só tínhamos algumas semanas com nossa companheira. Mais vinho?
-- Por favor. 
-- foi ela quem optou pela eutanásia. Ela quem nos preparou, ela quem suportou vê-la ir embora, enquanto meu pai ficou do lado de fora e eu na casa de meus avós. Ela era intransponível para algumas coisas. Nunca a vi chorar. Sinto falta de como ela me fazia sentir melhor, como completava meu vazio, como sempre tinha a palavras certas para a serem ditas a cada momento. Enquanto meu pai, sempre mais durão, escondia seus sentimentos, minha mãe chorava comigo, éramos conectados por essa empatia.
-- Amor. -- disse Aurora olhando para a taça de vinho. -- o nome disso é Amor. Como essa garrafa e essa taça. Pessoas que amam não se importam em se esvaziar para ver o outro completo. 
Disse ela pondo as últimas gostas de vinho da garrafa para sua taça.
-- Mas chega uma hora em que os dois estarão vazios. -- falei, aproximando minha taça vazia da garrafa, também vazia.
-- Pelo contrário, o amor se regenera, ele é infinito. Sentir-se vazio às vezes não é sempre falta de amor. Carência, tristeza, solidão. Todas essas coisas podem nos fazer sentir vazios. No caso de quem ama, doar-se ao próximo não te esvazia.
-- só que nós, minha cara, já esvaziamos duas garrafas de vinho e estamos falando demais.
-- Bobo, só estou tentando dizer que amor não é aquilo que se constrói com uma pessoa, mas algo que se cultiva para doar. O amor próprio. Uma pessoa que se ama também saberá amar a outras pessoas. É por isso que hoje em dia se sofre por amor. As pessoas nem ao menos se amam se entregam a outras buscando completar seus vazios... Suas carências, suas tristezas. Deve ser por isso que algumas caem na bebedeira, talvez tentando enxer os vazios com cachaça, vinho branco -- fez sinal para a nossa garrafa -- Eu acho que sua mãe, com suas palavras certas, tentava lhe ensinar a como amar a si, a ser forte, a cultivar seu amor.
Fiquei alguns segundos refletindo aquelas palavras e me dei conta do quão genial elas eram, e o quão egoísta fui naquela carta. Eram 7 da noite quando ela, piedosamente falou:
-- Bom, devo ir. 
-- tão cedo?
-- bom, tenho alguns km's até Oslo, e já tá ficando tarde meu caro.
-- tudo bem, mas não acha perigoso sair a essa hora? 
-- O que você sugere? Que eu durma aqui? -- tirou as palavras da minha cabeça -- São apenas 60 km, em menos de uma hora estou em casa.
Adoro seu senso de humor.
-- peço perdão pelo imprevisto. Não sou muito de falar, mas se começo...
-- tudo bem, eu adoro dirigir e tenho feito muito isso depois que me mudei de Bergen.
Caminhávamos para a porta, eu estava ansioso e nervoso. Ela havia me dado vários sinais de correspondência. Tinha sido Gentil em me ouvir e no final me disse coisas cativantes. Será que deveria dar alguma investida? Ou isso seria um exagero? Pera um pouco, ela já está perto da porta! Ah meu Deus e agora?
-- ah.. Espero poder vê-la novamente, por aí quem sabe.
-- eu adoraria. 
-- adoreu sua companhia, a conversa foi ótima.
-- O jantar que foi. Você sabe realmente como entreter suas visitas.
-- sorte minha, porque há muito tempo .não recebo uma.
-- Como uma pessoa não visitaria alguém que faz um salmão tão gostoso, te fala de borboletas e te oferece o melhor vinho que já bebi?
Falou enquanto colocava os sapatos.
-- talvez não hajam pessoas tão com paladar tão rebuscado como o seu, ou não tenham a sensibilidade e delicadaeza de uma borboleta, ou prefiram uma cerveja barata. 
Rimos.
-- não se preocupe, se você mantiver flores, as borboletas sempre voltam. Quem sabe alguma até fique. E você tá me defendo o fim desta história, o mesmo a parte onde eu salvo sua vida.
Nesse momento tive quase certeza de que isso foi uma cantada. Antes que eu pudesse beijá-la ela se virou e abriu a porta e caminhamos até seu carro na minha entrada. Bem, não era realmente a hora. Quem sabe outro dia, em um passeio, onde eu poderia ouvir mais sobre ela, levar flores, sei lá. Eu nem tenho o telefone dela... Devo pedir? Que coisa! Ela sabe onde eu moro. Estou em desvantagem aqui e ela já entrou no carro! O motor berrou, o carro deu ré e eu vi dobrar a esquina a pessoa por quem talvez eu esteja apaixonado. Enfim, não tenho mais chance de mudar essa noite, entrei em casa e pensei em arrumar os vestígios de nossa conversa. Para o fim dos meus pensamentos como o soar do fá mais grave de um piano de 88 teclas, o céu começou a trovejar e posteriormente a chuva veio infalível. Eu já estava começando a lavar a louça quando ouvi a campainha. Saí para atender e Aurora estava ali, ensopada dos pés a cabeça.

sábado, 4 de abril de 2020

Chapter 2 O Que Te Trouxe Aqui

Chapter 2 O Que Te Trouxe Aqui

Moss, Noruega. 21 de Dezembro de 2020

-- Você não sabe o quanto é bom te ter aqui.
Ela riu meio tímida e respondeu em tom sarcástico.
-- Bom, dada às circunstâncias, seu último ato "desesperado" que depois se transformou em boa ação... Tomara que valha a pena.
Devolvi o olhar no mesmo tom. Eu não sabia nem o que falar, estava lá, sentado na poltrona onde meu pai sentava pra assistir o jogo. E ela, no sofá do lado direito, em frente à mesinha de centro com nossos chás intocados. O mesmo penteado da noite passada. Cabeleiros loiros, de mais perto quase brancos. Apesar do horário avançado, a sala era levemente iluminada pelas paredes de vidro no solsticio de inverno.
-- Bom, pra falar a verdade primeiro lhe devo desculpas. -- falei, rispidamente.
-- não aceito suas desculpas. -- disse ela olhando nos meus olhos -- a não ser que seja pelo ano passado, por ter sumido e ter aparecido somente agora.
-- sim, por isso também. E por ontem
-- não entendo. 
A espressão aliviou.
-- fiz papel de idiota.
Ela se ajeitou em seus joelhos e se aproximou de mim.
-- você pagou 400 entradas e as deu para 400 pessoas assistirem ao meu show. Foi muito gentil.
-- sim, mas antes, egoísta, as comprei impedindo 400 pessoas que gostam de você, assim como eu -- não assim como eu, eu gosto mais -- de te assistir. O lance de doar foi improviso.
Tentativa falha de validar meu ato "desesperado"
-- hum, você se martiriza demais.
-- okey, Sou realista, acredito que o fim não justifica os meios.
Ela pegou a xícara da mesinha, deu um gole. Minhas mãos soavam descansando nos joelhos, nós quais eu tinha que lutar comigo mesmo para parar de ficar mexendo. Ela vestia um moletom preto e uma calça cáqui, nos pés agora descalços um tênis branco com detalhes rosa.
-- bom, eu gostei. Silja também. Aliás, ela quem me convenceu estar aqui hoje.
Ato "desesperado" validado.
-- estou devendo uma a ela.
Silêncio
-- sua casa é muito bonita.
-- Obrigado. Herança dos gênios Amélia e David.
-- Eu era muito fã deles.
-- sério? -- finjo estar surpreso.
-- claro.
-- seu estilo de música não propõe isso. -- falei irônico. Sabia que o assunto iria ficar pesado. 
-- bobo, me inspirei muito neles. Espero que não tenha se ofendido por ter te chamado pra tocar a música da sua mãe naquela noite.
O peso do assunto que eu já prévia. Alívio cômico invalidado.
-- Não, não. Aliás, foi muito bom pra mim. Maravilhoso na verdade. Você não imagina o significado.
-- Sério? Nossa, hesitei muito, mas Magnus quis tomar a frente e te contatar.
-- É, o grande Magnus. Nunca o vi tão feliz e nervoso quanto naquela noite.
Outro silêncio. Ela olhava em direção a parede de vidro.
-- por que você sumiu?
-- longa história...


-- se tiver um pouco mais desse chá, sou toda ouvidos.

Ambos filhos de famílias pobres, trabalhadores de uma fábrica de papel, meus pais, Amélia e David se conheceram ocasionalmente na pequena cidade da noruega, Moss. A educação na época não era das melhores no ensino fundamental. A saída era as escolas públicas que ainda se mantinham razoáveis. Papai nasceu em Narvik, em 1971, aos seis anos de idade mudou-se com a família para a cidade. Iniciou os estudos de piano no mesmo ano e aos sete começou a cantar no coral regido pelo meu avô, Alexander. Estudou ainda violino e harpa e formou-se em composição e regência na Faculdade de Música do Instituto Musical de Oslo. Até recebeu o prêmio de Produção musical pela Associação dos Críticos de Arte e foi contemplado com uma bolsa de estudos do governo noruegues para aperfeiçoar-se na área. Foi diretor da Escola municipal de Música de Moss e esteve à frente do Coral Jovem do Estado como produtor e diretor artístico. Durante duas décadas foi um dos nomes mais importantes na música clássica norueguesa e influência para outros nomes que viriam depois de sua morte. Mas antes, Casou-se aos 22 anos com Amélia, minha mãe, que nunca trabalhou profissionalmente com a música até então.

Depois de pouco a pouco a amizade deles se fortaleceu. Crianças, não se desgrudavam, estudaram a vida inteira na mesma escola e isso facilitou a convivência das famílias. Todos olhavam com bons olhos para a amizade infantil e depois para o namoro adolescente, apesar das dificuldades financeiras de ambas as partes. E pensar que o casamento quase não aconteceu, dada a oportunidade que meu pai teve de estudar na capital. Enfim, ele aconteceu, mas minha mãe teve de abrir mão de sua família aos 21 e seguir com meu pai para Moss, onde se estabilizaram financeiramente e fizeram algum sucesso na música.

Após a faculdade e a pequena fama entre os grandes artistas, papai ganhou notoriedade na produção musical logo depois que lançou sua esposa na música. Partindo disso cresceu o desejo de produzir e minha mãe foi seu primeiro grande feito na música clássica. Logo os dois e sua pequena banda estavam viajando e fazendo participações na tv e em shows de artistas já consagrados, consagrando-se. Seu segundo grande projeto viria a ser eu, o filho único do casal nascido em um hiato da carreira. Os dois diziam que eu fui consebido nas férias ao Brasil. Meu pai ficou muito feliz, aos 25 anos, teve seu primeiro e único filho. No começo eu odiava ir às aulas de iniciação musical. E por isso dava muito trabalho aos dois. Enfim, como diziam os jornais; o filho único que no futuro veio a desenvolver grandes habilidades como as de seu pai, no piano e instrumentos harmônicos como arpa e violão, também em instrumentos melódicos, na maioria de sopro e em violino.

-- Nossa, essa história eu não conhecia. Eles, vocês eram geniais. -- Ela falava enquanto caminhávamos pela casa até pararmos no piano. Aurora tocava o porta retrato. O último aniversário de casamento -- e lindos juntos.

Na foto, minha mãe e meu pai sentados no sofá de casa. Cada um com uma taça de vinho branco, o favorito de mamãe. Tínhamos chegado de uma pequena reunião de família que trouxe alguns tios e primos meus à cidade. Eu brinquei com minha mãe sobre achar que ela estava mais elegante que nunca e fiz a foto.

Já estavamos no jardim sentados na grama com mais chá quando ela me perguntou:
-- como realmente tudo aconteceu? 
Eu não respondi de primeira. Meu olhar ficou perdido no horizonte cálido. Meu coração não acelerou como eu esperava. Talvez por já estar esperando a pergunta. 
-- Desculpe. -- disse ela pondo a xícara ao lado.
-- tudo bem.

Estava tudo combinado. Inverno, era aniversário de casamento deles, 25 anos. O itinerário já estava pronto e a viagem de véspera de natal tradicional aconteceria. Tudo idéia da minha mãe. Um final de semana só do casal em Tromso, o dia perfeito para testemunharem a Aurora boreal. Eu, iria inaugurar meu show na segunda, noite do dia 24, eles viriam de avião até Oslo e o restante do trajeto fariam de carro. Discuti bastante com meu pai para que eles pegasse um vôo direto, mas ele achou bobagem, achava que daria conta...

-- Se não quiser falar, por mim tudo bem. 
-- Não, quase nunca converso com ninguém sobre esse assunto. Nunca desabafei sobre a morte deles e acho que por conta disso que há dois anos quase tiro minha própria vida. E isso tem haver com você também.
-- co-comigo? 

segunda-feira, 30 de março de 2020

Chapter 1 A Carta





Capítulo 1 A Carta

Moss, Noruega. 2 anos antes.

"Oi, 
Desculpe a ocasião mas enfim. Queria que esta fosse uma carta de amor, mas julgando pelos fatos que ocorreram na minha vida pode até que essa possa ser. Bom, será triste. E sabemos todos que histórias de amor não são histórias se não tiverem um pouco de tristeza. E meus atos de desespero foram também atos de amor. Não quero com essa carta justificar minha partida. Mas por amor, também temos que deixar partir. Não queria deixar passar isso em branco, eu queria me despedir... Só me despedir. Desajei fazer isso pessoalmente, mas acredito que se assim fosse perderia a coragem de consumar o que com dor decidi ser o melhor. O amor de todos vocês me deu forças para suportar até o momento em que escrevo, e sei que é egoísmo meu tirar de vocês o que fiz de tudo para mostrar e aparecer. Mas estou no meu limite, e agora, por egoismo ou não, tenho que pôr fim em algumas coisas que me fazem desmoronar. E uma dessas coisas se direciona aos meus pais, e a eles peço perdão e digo que em breve estaremos juntos, em algum lugar. Enfim, um dos meus maiores medos era decepcionar as pessoas, mas vivendo como estou vejo que decepciono alguém muito importante, eu mesmo, e creio que todos entenderão minha escolha. Espero ter sido algo importante na vida de alguém e se isso for real minha vida já valeu o bastante. Peço perdão e desejo a todos terem o suficiente para não chegarem ao ponto em eu cheguei e, que se possível essa mensagem possa chegar até a última pessoa que ouvir o último acorde que toquei para que entendam que nenhuma prova de amor é em vão.

Até breve."

A caneta despencou dos dedos e meu rosto em lágrimas ficou imovel por algum tempo, relutante, consegui voltar a mim. Percebo que a noite tinha caído rapidamente. Olhei o relógio, ainda tinha tempo para me arrumar, nesse momento agradeci por ser homem. Já de banho tomado, tentei arrumar a confusão no meu rosto. Passo a máquina no 1 apenas para aparar a barba e vestindo a beca típica me olho no espelho, estou um pouco melhor que cedo, nada mal para meu último dia na terra. Roupa especial para uma noite especial Percebo que não pus um alimento na boca o dia todo, mas isso não fará diferença daqui há algumas horas. 

Tudo pronto para minha partida. Na porta de saída, pego as chaves na parede penduradas à minha esquerda, mas esqueço o celular na escrivaninha. Solto um suspiro e me reclamo de ter uma casa tão grade. Suspiro atravessando o cômodo ao encontro do móvel. Pego o celular e percebo a gaveta semiaberta. O brilho do revólver me encandeia e o retiro para observa-lo pensando que teria que ser hoje, não importava mais o que poderia acontecer. Nada mais poderia mudar o que passei nem me dar forças para continuar esta vida que não vale mais a pena viver, e se estivesse prometido a sofrer então que eu mesmo ponha fim nisso. Estou decidido que serão estas balas as últimas pílulas de consolo. Mas antes, meu último ato válido a ser feito. Uma lágrima caiu enquanto guarduei o algoz desarmado no bolso do paletó.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Poema de Segunda: Abstinente

Por hoje, acoberta-me o peito
Sem dizer um tanto para embalar.
Acolhe-me tênue no calcanhar
Do aconchego silábico, feito.

Pois hoje, acoberto-me na farsa
Para dizer o quanto inquieto
Quando abandonei as botas do verso
Fazendo-me o que fortes, minha caça.

O que diabos aconteceu de mim?
Que cada dia é como o do fim
Com tantos pensamentos dispersos?

Sinto perder o rumo do caminho
já perdido, assumo. Nem adivinho
Aonde foram parar os meus versos.

00:33  04/01/2019

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Trova de Quarta: Crisântemos

Manhã sem sol é vazia
pior se fosse sereno
Enquanto tu eclodias
Vi que somos o que temos

24/09/2019

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Poema de Segunda: Aurora



Como os primeiros raios do amanhecer
vi-te invadir o cenário frio de mim
trazendo a luz tênue, sucedente do fim
como vida soprada do sol, para mim pertencer.

Eu, que escolhi viver de palavras
Emudeci no instante maior
Perdendo o clichê esquecido, de cor
Outra folha sou de palavras riscadas

Achando estar conseguindo traduzir
O quê sem mistério é  como escolhi
Desenho-te, sol. Para o meu calor

Desperta-me, aurora fraca, lilás
revelando-te o verso que só, se faz
devoluções explícitas em forma de amor.

17/08/2019
17:13